quinta-feira, 31 de julho de 2014

O assassinato compreensível


Era bom menino e estudava.
Passava gel no cabelo para o lado.
Todas as matérias, ele dominava.
Mas era um completo inadequado.

Correu para casa com o boletim na mão,
Para mostrar para a mãe, bem animado.
Chegou e viu sua mãe no chão,
Sendo chutada pelo seu pai alcoolizado.

Um grito de "para" foi suficiente,
Para desfocar do seu pai a atenção.
E o bêbado, como um demente,
Correu em sua direção.

O socou,
O derrubou.
O chutou,
O ridicularizou.

O tempo passou,
E aquela cena se repetiu.
De novo.
E de novo.

Então começou a transformação.

A calça, ele abaixou,
E a roupa ficou folgada.
Um fone de ouvido ele colocou,
Para fugir de sua mente endiabrada.

Na escola, ele já não era mais inadequado.
Na rua, passou a ser respeitado.
Era agora, um cara "descolado".
Pois no beco, conseguiu um revólver quadrado.

Chegou em casa de madrugada,
Depois de fumar muita maconha.
E viu seu pai sufocando a coitada,
Com um travesseiro sem fronha.

Foi gritado o mesmo "pare" do passado.
Mas agora com imponência.
Pois antes ele era só um "retardado",
E hoje, perdeu a inocência.

Como de costume, o bêbado atacou.
E dessa vez, ele revidou.
O nariz do pai ele quebrou,
E de sangue, sua camisa encharcou.

Ele gostou da sensação.
E nem ligou para a mãe horrorizada.
Ao ver seu filho com uma arma na mão,
Atirando no homem e dando risada.

O menino foi preso,
A mãe se matou.
E ninguém ficou surpreso,
Pois foi o cara que provocou.

Ele não sabia pelo que lutar.
Ele não sabia para que crescer.
Mas sabia pelo que matar:
Para sair do inferno que era viver.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

O crescer



O crescer.
O crescer é o sofrer.
É adoecer ao adormecer.
É o anoitecer após o amanhecer.

É querer e não poder.
É viver e não crer.
Se abster de adoecer,
E ter sede de ceder...

É o escrever, o ler.
O fazer acontecer.
É aprender a bater,
E depois se arrepender.

É do meu eu não esquecer,
O deixar de falar por me ater.
Deixar defeito apodrecer,
E dar para o cão comer.

É o bendizer e o maldizer,
O me locomover a comover.
É plantar e colher,
Para então compreender.

Que crescer também é correr,
Contra o tempo e o chover.
É aprender a me defender,
Sem me contradizer.

É de dor me contorcer,
Com minha sombra me corresponder.
É meu sentimento descrever,
E meus versos desenvolver.

É dos valores desprender,
Por certo tempo emudecer.
Me enfurecer e enfraquecer,
Sem depois me entorpecer.

Pois quando mais digo conhecer,
Mais passo a desconhecer.
Disse o sábio sem se exceder:
Você tem muito caminho a percorrer.

Chego a conclusão que crescer,
É em partes morrer.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Do céu, ao inferno



Andando em uma nuvem macia e bela,
Sinto o vento com cheiro de canela.
Tudo claro, puro como o marfim,
Sem encontrar para o horizonte um fim.

Crianças brincam e se divertem.
Vestidos brancos são tudo que vestem.
A paz é generalizada.
A inocencia é imortalizada.

Então escuto um trovão.
Se abre um abismo no chão.
Pessoas somem na escuridão.
E me encontro novamente na solidão.

O calor sumiu.
A felicidade fugiu.
Agora é eterno inverno.
Ouço: Seja bem-vindo ao inferno.

A morte me é apresentada.
Por aqui, ela é cultuada.
Recuso a oferta camarada,
E como castigo, recebo chicotada.

Vejo morte.
Vejo dor.
Vejo um corte,
Vejo "amor".

Todos usam uma máscara chamada felicidade.
Mesmo em completo estado de calamidade.
Sabendo eu, que tudo isso é ilusão,
Como isso pode atrair meu coração?

Me atrair pelo diabólico?
Hoje tenho a solução:
Partir para o simbólico,
E cumprir o sacrifício dessa encarnação.

“VAI-SE POR MIM À CIDADE DOLENTE, VAI-SE POR MIM À SEMPITERNAN DOR, VAI-SE POR MIM ENTRE A PERDIDA GENTE.
MOVEU JUSTIÇA O MEU ALTO FEITOR, FEZ-ME A DIVINA POTESTADE, MAIS O SUPREMO SABER E O PRIMO AMOR.
ANTES DE MIM NÃO FOI CRIADO MAIS NADA SENÃO ETERNO, E ETERNA EU DURO. DEIXAI TODA ESPERANÇA, Ó VÓS QUE ENTRAIS”.
(Fragmento do Canto III do Inferno da “Divina Comédia” de Dante Alighieri. Editora 34. 1998. Tradução e nota de Italo Eugenio Mauro)

Fonte para o trecho da Divina Comédia: http://lounge.obviousmag.org/o_limiar_da_lucidez/2012/05/o-inicio-da-jornada-dantesca-ao-inferno.html#ixzz37lwHGGMk 

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Suicídio


Você já se suicidou?
Eu já, e recomendo.
Foi logo depois que o futuro me chamou.
Eu não sabia o que estava perdendo.

Se és suicida de primeira viagem,
Aconselho calma.
Precisará também de coragem,
Para a purificação de sua alma.

Se está preocupado com o pós,
Afirmo que não está preparado.
Ou acabará como os faraós,
Simplesmente embalsamado.

Um verdadeiro suicida não se sobrecarrega,
De pensamentos  de controle sobre o futuro.
Ele simplesmente pratica a entrega,
Ao seu Deus, seu porto seguro.

E nesta última transcendência,
Me atirei com facilidade.
Afinal, já possuia certa experiência.
Tudo em favor da minha liberdade.

Não me deixei tomar pela agonia.
Aproveitei cada segundo.
Sentí em meu rosto a gélida ventania.
Foi quando escureceu o meu mundo.

Depois de tanto homicídio,
A solução foi o suicídio.
Para a mudança de personalidade,
Precisei matar a minha vontade.

A cada automutilação,
Valores e crenças eram decepados.
Aqui jaz um alguém sem coração,
Para o nascimento de um novo soldado.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Diálogo com a imperfeição


- Olá! Por onde você andou?
- Quem está falando?
- Aquela que nunca te abandonou.
- Você de novo me atormentando?

- Sentiu saudade?
- Você está morta.
- Não tem como matar a imortalidade.
- Pra você, não vou abrir a porta.

- Mas nós fizemos um pacto!
- Isso faz parte do minha vida passada.
- Mas você não sofreu todo o impacto!
- Se você não está morta, está enjaulada.

- Você não me manterá presa pela eternidade.
- A eternidade é muito tempo, penso no hoje e no agora.
- Mas e a nossa amizade?
- Morreu com a luz da aurora.

- Você não pode matar um espírito nem tentando.
- Essa nunca foi a minha intenção.
- Então porque não está me libertando?
- Porque você é a minha imperfeição.

- Você permanecerá presa, para que haja paz.
- Sendo usada e integrada.
- Mas...
- Sem mas. Sua sentença está cravada.