terça-feira, 14 de julho de 2015

15 de fevereiro


Hoje abri os olhos,
E era 15 de fevereiro.
Como sempre, fui lavar o rosto,
E me olhar no espelho.

Era quase uma rotina,
Ver meu reflexo todo dia.
Era pra ver o tempo passar,
Pra amenizar a agonia.

Eu nada via além de branco.
Era branco pra todo lado.
Era tanto branco,
Que eu ficava enjoado.

Então rodei a maçaneta,
Em busca da minha utopia.
Saí, e consegui a faceta,
De se destacar, inundado em ironia.

Imerso em minha própria mente,
Vivo meus sonhos, descontroladamente.
Sempre ouço a voz eloquente,
Que sempre mente, incessantemente.

Saindo do quarto, eu caminho.
Converso com rostos conhecidos no corredor.
Mas eles nunca me respondem,
Devem sempre estar de mau humor.

Chegando na cozinha,
Tomo minha medicação.
O bom e velho comprimido
De composição, alienação.

Eu tento sorrir.
Mas prendo as lágrimas em vão.
Eu tento sorrir,
Mas choro com minha decisão.

Então, vou vai para o jardim.
Lá, é meu refúgio.
Lá, não existe fim.
É meu interno subterfúgio.

Antes de chegar,
Eu colho algumas flores.
Minha amada vou encontrar,
E aliviarei minhas dores.

Ao vê-la, não tive dúvidas.
Decidimos viajar.
Aproveitar cada segundo,
Sentir a brisa do mar.

Entramos em meu iate,
E fomos até Fernando de Noronha.
Fomos até uma praia de nudismo,
Ela não ficou com vergonha.

Viajamos de helicóptero,
E depois de submarino.
E ainda demos esmola
Para vários meninos.

Subimos na Torre de Pisa,
Para assistir o por do sol.
Eu estava sem camisa,
Pois ela a usava de lençol.

Para terminar nosso encontro,
Fomos para um pomar.
Para então chegarmos ao ponto,
De deitar, e se amar.

Então deitei ao lado dela.
Embaixo de uma macieira.
E comecei a contar pra ela,
Que todo o resto, era besteira.

Mas olha quem vem lá.
São os monstros de avental.
Com a seringa na mão,
Querendo me fazer mal.

Precisava correr.
Não queria morrer.
Não de novo.
Não diante do povo.

Mandei minha amada correr.
E lhe entreguei as flores.
Mas ela quis simplesmente desaparecer,
Ela não consegue segurar as flores.

Porque ela nunca segura as flores?
Porque não consigo abraçá-la?
Porque nunca sinto seus odores?
Porque ela não fala?!

Ela foi embora.
Os monstros de avental me seguraram.
Olhei, e imaginei a aurora.
Senti a picada, e meus ombros desabaram.

Me restava consciência.
Um pouquinho, mas restava.
Que decadência.
Só nela eu pensava.

"Cinco doses de Dormonid",
Foi a última coisa que ouvi,
Da boca do monstro de avental,
Que me colocou para dormir.

A saudade toma conta.
Dói cada vez mais.
Viver, tem sido uma afronta.
Não quero viver mais.

Porque ela nunca segura as flores?
Porque não consigo abraçá-la?
Porque nunca sinto seus odores?
Porque ela não fala?!

Já é anoitecer.
E o quarto ainda está branco.
Não vejo a hora de amanhecer,
Para ir no jardim e sentar no banco.

Essa hora, costumo ouvir gritos.
Dizem que é uma tal de lobotomia.
Mas não tenho medo não...
Regina vai me tirar daqui, um dia.

As pessoas aqui são estranhas.
Todos vestem a mesma roupa.
Sinto tanta falta de Regina...
Não aguento mais tomar sopa.

Insistente, espero acordado.
Pois já é quase hora do galo cantar.
E com Regina, tenho um combinado:
Dia 15 de fevereiro, ela vem me visitar.

De noite, a janela tem grades.
E aquela seringa, me deixa esquisito.
Eu não amo, e nem sinto dor.
Ela traz a ausência de conflito.

Então, o galo canta no poleiro.
Correndo, olho para o calendário.
Vejo que é de novo 15 de fevereiro,
Tem sido assim a tempo pra caralho.

Já estou aqui a 10 anos,
E é sempre 15 de fevereiro.
Desde que capotei o carro,
É 15 de fevereiro.

Porque ela só me olha?
Porque o brilho dela escureceu?
Regina,  meu amor,
Ainda não acredito que você morreu.

Era 15 de fevereiro.
Estávamos indo viajar.
Eu não devia ter bebido.
Fiz Regina se machucar.

E agora, me resta esperar.
Já me arrumei inteiro.
Vou para o banco viajar,
Pois é 15 de fevereiro.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Muita treta

Não agir como um covarde.
Assumir na terra, sua missão.
Com calma, e sem alarde,
Sem aceitar a atual condição.

Olhar em volta,
E não se sentir fazendo parte.
Como a pichação no bairro nobre,
Que nunca vai deixar de ser arte.

Viver, sem tremer.
Sem deixar a perna amolecer.
Sem ceder.
É fazer acontecer.

Criar raízes no chão.
E manter a tremedeira.
Mas que ela não te impeça, irmão,
De se aquecer na sua lareira.

Viver é muita treta.
É caminhar sobre espinhos.
É precisar de uma luneta,
Para enxergar os caminhos.

Viver é muita treta.
É um raio ultravioleta.
É o transformar da borboleta.
É o estrondo da escopeta.

A liberdade de escolha,
A autonomia.
Hoje é desprezada,
Pela maioria.

E a minoria,
Nunca é escutada.
Ilusão minha que um dia,
Será ajudada.

Quem está no madeirite,
Não tem muita opção.
Ou vira um Dentinho, um grafite,
Ou se contentará com o arroz e feijão.

Muita treta.
É a arte de viver.
Fica aí, capeta:
Meu sangue, você não vai beber,