segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Oração Cética

Se eu estiver errado,
Rogo o teu perdão.
Mas sei que se não for tudo um acaso,
Eu já perdi minha salvação.

Pois vivi a lei do mundo,
E aprendi com a solidão,
A erguer minha mão,
E dar o dedo a ilusão.

Não vou te chamar de pai,
Muito menos de senhor.
Nunca nem fiz por merecer,
Todo esse seu grande amor.

A vida é como um livro,
E a caneta causa dor.
Nas páginas mais escuras,
Onde esteve, salvador?

A tinta está acabando,
Junto com minha esperança.
Por favor, me diga,
Onde está tal aliança?

A morte é apresentada.
Por aqui é cultuada.
Recuso a oferta.
E morro em vida.

Vejo morte.
Vejo dor.
Vejo um corte.
Vejo "amor".

Se você for o criador,
Deu-me inteligência.
Inclusive, salvador,
Pra duvidar da sua existência.

O que eu devo te pedir,
Nem sei se é perdão,
Pois durante toda minha vida,
Senti-me na solidão.

Onde você esteve?
Eu precisei de você.
Minha alma berrou.
Não é assim, que deveria ser?

Madrugada com ódio na pupila,
E todas as intenções ruins.
Vazio de alma e estômago,
Vi-me próximo de todos os fins.

Minha camisa foi suja de sangue.
Sangue inocente.
No gelo fui trancado,
E por um ano e meio, fiquei isolado.

Tomei muitos comprimidos,
Dormi por 3 dias sem parar.
Nem tentando de verdade,
Consegui alcançar a morte.

Pois acordei.
Infelizmente acordei.
Não senti ninguém comigo.
Ninguém, além de todo o além,

Chamando-me.
Gritando o meu nome.
Dizendo para mudar de lado.
Para obedecer minha fome.

Fome de morte.
Fome que foge do controle.
Que não pode ser saciada.
Mas também não pode ser ignorada.

Foi como se tivessem me esquecido,
Como se não existisse a minha vez.
Tudo isso já tinha acontecido,
E eu não tinha nem 16.


Onde você estava enquanto me tornava o que sou?

sábado, 19 de agosto de 2017

Monstro no guarda-roupa

Seus olhos se abriram.
Posso ouvir sua respiração.
Geralmente é neste momento,
Que começa a perseguição.

Ele grita, berra, urra.
Mas sai um som abafado.
Pois precisa de mim,
Para manifestar o seu lado.

Sua insônia acabou,
Trazendo puro pesadelo.
Meu medo acordou,
E continuo sem poder vê-lo.

Uma parte de mim,
Tenta sempre me engolir.
E enquanto não consegue,
Tento não sumir.

Uma parte de mim,
Não aceita a outra parte.
Não faço a integração.
Então uso a arte.

Uma fenda.
Muita neblina.
Olhos com venda.
Muita chacina.

Uivar.
Berro.
Acendam as luzes!
Ninguém é de ferro.

Algo acordou.
Algo imenso.
Algo mau.
Algo denso.

Quer destruição.
Quer o desespero.
Quer o controle do meu coração,
E do meu corpo inteiro.

Quer persuadir minha ação.
Quer que eu pule no buraco.
Quer que eu anule a emoção.
Quer me deixar fraco.

Ele está perto.
Posso sentir.
Sua presença é marcante.
Ele sempre vai ferir.

Ele está nas igrejas.
Ele está nos hospitais.
Ele está nos presídios,
E em todos que tem mais.

Ele está nos viúvos.
Ele está no solitário.
Ele está na biqueira,
E em todo usuário.

Ele está no poeta.
Ele está no artista.
Ele está em toda meta,
E em todo autista.

Ele está no guarda-roupa.
Ele está na minha frente.
Ele está na minha sombra.
Ele está na minha mente.


sexta-feira, 18 de agosto de 2017

O mudo que cai

A noite cai.
As pálpebras também.
Frequências cardíacas diminuem.
Sonhos.

Vozes internas e sons externos.
Pavor.
Cobre as pernas e foge dos infernos.
Dor.

Ouço o abafado ruído.
Um desastre aconteceu.
Outro coitado reprimido.
Mais um mudo morreu.

Ouço sua queda.
Seu último suspirar.
Ouço o sangue escorrer,
E a impunidade triunfar.

Mais um mudo morreu.
De manhã, limpam a calçada.
A passeata de Morfeu,
Continua com hora marcada.

Sem poder gritar.
Sem chamar atenção.
A morte foi como a vida:
Sem nenhuma opção.

A noite cai.
O mudo e suas pálpebras também.
Suas frequências cardíacas param.
A morte lhe convém.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Pena Branca

Estou só.
Olho para o relógio e sinto um arrepio.
Caminho na rua, entre rostos nublados, jornais amassados, cabelos arrumados...
E estou só.

Não me encaixo.
Embora lute para me encaixar.
Seria o viver, apenas toda essa encenação?
Deveria eu apenas continuar?

Sinto nojo da perfeição.
Meu refluxo, faz com que apenas siga o fluxo.
Lavo a rua, com um grande vomitar.
Água, cerveja, pinga, arroz, feijão e solidão.

A lua brilha solitária.
Intocável, distante, cruel.
Brilha para dar esperança ao doente,
Que falecerá ao primeiro amanhecer.

As nuvens cinzas e roxas,
Se sobrepõe a um céu marrom, quase preto.
O vento congela a orelha, e junto com ele,
O cheiro de fezes toma conta do tempo e do local.
E estou só.

Esbarro em um ombro.
Troco um olhar no olho.
Tropeço em uma calçada.
Volto para casa um pouco mais morto.

Tento me exlicar.
Mas são somente palavras em vão.
As paredes do meu quarto são surdas,
E meu berro é inaudível aos ouvidos dos que mais amo.
Inclusive eu mesmo.

Afogar tudo e todos!
Inclusive eu mesmo!
Afogar, em um grande mar de chorume, inundando as vias respiratórias com toda a podridão criada por nós.
Não haveria fim mais belo e justo.

A enorme linha tênue do tédio,
Se harmoniza com a linha fosca, quase apagada do horizonte.
O limite de tempo, em que a linha pode ficar tênue...
Já foi há muito ultrapassado.

Ainda estou só.
Quero dizer, eu e meus demônios.
Mas não conta.
Estou só.

E é nesse momento que sinto vontade de ir até a janela da minha alma,
E gritar.
Gritar ao ponto de sentir que meus pulmões vão explodir.
Gritar até sumir.

Sumir na minha própria voz.
Deixar de existir, em um ato de pura existência.
Expressão. Verdade. Verdade!
Sinceridade!

Eis que aparece uma esperança.
Uma linda, leve e reluzente pena branca, se destaca em meio a fumaça de cigarros e pensamentos.
Em meio ao caos, a destruição, as fezes, ao vômito, a indiferença...
Flutua a paz.

Faz seu belo percurso, em ondas,
Deixando uma linda imagem, de um pontinho de luz, vagando em meio à desordem.
As pessoas param, reparam, olham e se viram.
"Não é normal", eles dizem.

Mas não importa.
Eis que nasceu a luz!
Ela dança no ar. Ela é livre.
É intocável... mas não é cruel.

É atingível! É real!
É real... eu vi!
Eu senti!
Eu vivi.

E vi, o que talvez poucos viram.
Vi verdade.
Assisti, do melhor ângulo possível, no melhor assento do teatro,
Seu espetáculo sem máscaras.

Sua atuação, no existir.
Sua performance no lindo caminho ondular, que me tirou da linha tênue.
Seu improviso.
Sua verdade.

Eu a vi repousar entre montes.
Vi a poeira levantar em volta, quando ela parou, flutuando sobre um chão de terra.
Ali, vi o quanto é frágil, apesar de atingível.
Ali, vi o quanto é poderosa, apesar se ser real.

Toda a área começa a florescer.
Um verde harmonia, toma conta do chão, antes árido e arenoso.
As flores, vistas de longe, formam diversos pontos coloridos, que me lembram as luzes de natal e as festas de família da infância.
Paz.

Tenho uma vontade iminente de me mudar para lá.
De ser invadido por completo, por todas essas cores.
Mas lembro que tenho um longo caminho para trilhar.
Lembro que sou poeta, não pena.
Que pena.

Ainda tenho mais algumas penitências a cumprir.
Ainda tenho algumas palavras para mentir.
Eu ainda preciso morrer, só mais um pouquinho...
Para chegar ao destino, escrito por mim.

Então acordei.
Bem suado, confuso e agitado, para variar.
Mas agora tenho um norte.
Sei para onde caminhar.

Eu a encontrei ali, em meio a multidão.
Com toda a sua insanamente louca exatidão.
O sol raiou.
Não estou mais só.
E ela também não.

Dama do Marlboro

Te vejo queimar.
Te vejo em meus pulmões.
Te vejo em meio ao ar.
Se destacando dos padrões.

Te vejo com elegância.
Mesmo com o ar sombrio.
Só importa a instância.
O passado, nem existiu.

Furos em seu filtro,
Para amenizar a intensidade.
Para não fazer tão mal.
E conviver com a insanidade.

Dama do Marlboro,
Responda ao tolo!
Onde está o seu tesouro,
Já que tudo que toca vira ouro?

Dama do Marlboro,
Ouça todo este coro.
É de apenas mais um louco,
Que se encantou.

E pelo fim, se apaixonou.
Foi sentenciado.
A vicer sob a neblima,
De teu belo esfumaçado.

Então deixe-me explicar,
O que não tem explicação.
Deixe-me demonstrar,
O que não há demonstração.

Deixe-me tentar!
Estou ficando sem ar!
Deixe-me exagerar!
Preciso dizer o que é te amar!

Ver em seu olho, mais brilho que o luar.
Mais profundidade que o azul do mar.
Mais pureza que a voz de um anjo, a cantar.
Mais leveza que uma pluma, a voar.

Ver em seu sorriso, extrema sinceridade.
Força comparada ao sol, e sua claridade.
Ver também a ingenuidade,
De uma criança sem maldade.

Assim como o sol beija o mar no fim de tarde,
Em você, me apago e me acendo.
Sem nenhum alarde,
Vou aprendendo, a não ficar dependendo.

Com as pernas tremendo,
Estou vendo.
E não repreendo.
Apenas finjo que entendo.

Entre nossas almas, há conexão.
Algo muito mais profundo do que emoção.
Entre nossos corpos, interligação.
Algo muito mais profundo do que paixão.

Entre nosso olhar, há entendimento.
Entre nosso riso, há entretenimento.
Entre nosso amor, há consentimento.
Entre nós... Existe nós.

Por isso,
Deixe-me te beijar!
Deixe-me te fazer feliz!
Deixe-me te abraçar!

Deixe-me segurar seus quadris!
Deixe-me te amar!
Mas nunca,
Nunca deixe-me.