segunda-feira, 19 de maio de 2014

Luto



A você que tanto me machucou.
A você que nunca perdoou.
A você que sempre pisoteou.
A você que no passado ficou.

Porque o passado está brilhando?
Lá existe apenas escuridão!
O real brilho está se aproximando,
E não o vejo com exatidão.

Você morreu e deixou vestígios,
Vestigios que só estou sentindo agora.
Depois de torturosos desperdícios,
Chegou a minha hora.

Olho para trás e vejo flores.
Quando na verdade, são dores.
Olho para trás e vejo amor,
Quando na verdade, é dor.

Olho pra trás e vejo uma Rosa
Quando na verdade, é um cravo.
Olho para trás e vejo cenas amorosas,
Quando na verdade, eu era um escravo.

O sentimento é deturpado,
Mas em consciência estou absoluto.
No inconsciente estou mergulhado.
Que venha o processo de luto.




sábado, 10 de maio de 2014

O Castelo na Colina



Era uma noite fria, com a neblina cegando o horizonte. Eu guiava minha Chevrolet Cheyenne 10 preta do ano de 1971, por puro instinto, colina acima, sedenta por uma noite de sono em uma cama quente. Minhas pálpebras caíam sozinhas a cada cinco minutos, e já não conseguia raciocinar direito. Nessa altura, não me importava se algo acontecesse comigo... Minha preocupação era meu Cheyenne 10! Ah, como eu amava esse carro! Então, de longe, avistei um castelo. A primeira vista, bastante amedrontador. Mas não tinha outra alternativa, precisava descansar!

Estacionei meu carro em frente ao majestoso castelo, de firmes rochas já envelhecidas pelo tempo, e fui em direção a enorme porta vermelha que se sobrepunha aquele tenebroso castelo. Com receio, e com minha intuição dizendo enlouquecidamente para eu dar meia volta e procurar outro lugar para descansar, batí na porta. Esperei alguns minutos, e nada. A noite estava extremamente fria, e quando já estava dando meia volta para retornar ao meu carro, uma luz se deixou transparecer pelas janelas que ficavam ao lado da porta. Foi um misto de ansiedade, medo e alívio. A porta se abriu, e para minha surpresa, era um rapaz que aparentava ter no máximo 25 anos, de cabelos castanhos e lisos, até os ombros. Tinha um rosto pálido, e usava uma roupa antiga, que parecia ser dos anos 50!

- Boa noite! Me chamo Lucca, em que posso ser útil a essa hora da madrugada? - Disse o rapaz educadamente.

- Boa noite, me chamo Sara - Disse eu envergonhada. - Estou dirigindo a horas, e como pode ver em meu rosto cansado, preciso urgentemente de uma noite de sono... Não consigo dirigir mais nem um quilómetro! Avistei este castelo de longe, e pensei em perguntar se poderia passar a noite aqui! Prometo não incomodar! 

- Ora minha querida! - disse Lucca em um tom de enorme compaixão - Mas é claro que pode! Entre! Fique a vontade!

Nesse momento, qualquer sensação de temor ou receio tinham sumido. Estava realmente aliviada. Entrei junto com Lucca em seu enorme castelo, e fiquei impressionada. Móveis bastante antigos, quadros de um homem igualmente pálido, em molduras nitidamente velhas, e uma escada em caracol, que levava a todos os andares do castelo.

- Quantos anos você tem Lucca? - Disse eu em um tom gracioso, procurando puxar assunto.

- Ora! - Disse Lucca descontraindo - Que pergunta ruim para se puxar uma conversa!

- Tudo bem, então me diga, onde estão seus pais? - Disse eu dando risadas.

- Eu moro sozinho - Respondeu Lucca em um tom melancólico, como se eu tivesse tocado em um assunto em que ele não gosta de falar. - Minha única companhia, é meu mordomo, o Fred.

- E você não se sente sozinho, morando nesse castelo enorme, apenas na companhia de seu mordomo? E por sinal, onde ele está? - Disse eu, deixando transparecer minha curiosidade. Aquele rapaz tinha realmente me aguçado o interesse!

- Sim, me sinto bastante sozinho na verdade... - Disse Lucca cabisbaixo. - O Fred já deve estar dormindo a essa hora. Mas as vezes a solidão é necessária sabe? As vezes até gosto! - Exclamou, já mudando de feição.

- E você não sai para se distrair? Este castelo é tão isolado...

- Na verdade não. Apenas quando me convidam. Não entro se não for chamado. - Disse Lucca misteriosamente.

Nos calamos. Já nem me lembrava mais do meu cansaço e nem da minha tão esperada noite de sono. Minha intuição gritava para eu sair de lá, mas continuei em direção ao quarto, me sentindo intrigada.
Chegando ao meu quarto, sentamos na cama, e ele gentilmente me ofereceu uma taça de vinho. Aquela altura, eu não pude negar. Ele deixou o quarto, e eu fiquei alí, sentada na cama, com mil perguntas em minha cabeça. Como ele conseguia manter aquele lugar? O que afinal, havia acontecido com seus pais? Porque ele era tão solitário? Quem era Fred, e porque ele possuía um mordomo? Porque tantas antiguidades em sua casa, e porque usava uma roupa da década de 50? 

Podia jurar, que não tinha passado nem dois minutos, e ele já estava de volta, com uma garrafa de vinho dos anos 70! Ele entrou apenas com uma taça, e eu perguntei:

- Não vai me acompanhar?

- Eu não bebo vinho... Na verdade, não bebo nada! Ou melhor, quase nada. - Disse Lucca galanteadoramente. - Aquela Chevrolet Cheyenne 10 lá fora é sua?

- É sim! - Respondí empolgada. - Achei que ninguém nunca ia reconhecer um carro tão antigo! Sou apaixonada por ele!

- Amo antiguidades. - Respondeu Lucca, em um tom óbvio.

- Percebí... - Disse esperando algo mais.

Então Lucca se levantou repentinamente.

- Bom Sara, vou me recolher. Vou fechar a porta quando sair, mas se precisar, é só me chamar que estarei aqui em um piscar de olhos! Meus aposentos ficam logo ao lado. Afinal, como disse antes, não entro se não for convidado. - Disse Lucca deixando algo no ar.

E saiu. Me deixou alí, com a taça de vinho pela metade, e a garrafa aberta no criado mudo. Fiquei paralizada por alguns istantes, sem saber o que fazer ou pensar. Aquele rapaz tinha realmente me deixado intrigada! Tentei esquecer e dormir, mas não consegui. Rolei na cama, andei de um lado para o outro do quarto, e decidi por chamar Lucca. Afinal, ele saiu como se já soubesse que isso ia acontecer! Mais uma vez, minha intuição berrava para que eu não o fizesse, mas eu não dei ouvidos. Acendí a luz, e chamei seu nome em um tom suave, já imaginando que ele não ouviria. Como prometido, ouví três batidas em minha porta. Fiquei alí, parada, na frente da porta, em estado de choque. Então, do lado de fora, ouví:

- Não posso entrar, se você não me convidar.

Então abri a porta. Como um leão enfurecido, ele pulou em cima de mim, e me atirou no chão. Eu estava com um misto de pavor e prazer. Lucca começou a passar seus lábios frios em meu pescoço, até chegar ao meu ouvido e sussurou:

- Respondendo sua pergunta, tenho 238 anos.

De canto de olho, ví saltar duas presas de seus caninos, e sentí uma pontada forte em meu pescoço. É a última coisa que me lembro daquela noite.

Hoje, 90 anos depois, continuo com a mesma aparência daquele drástico dia, em que um pedido de abrigo, ia me condenar a uma eternidade de frieza. Tenho os mesmos olhos vagos, a mesma palidez e pior, a mesma imortalidade de Lucca.