terça-feira, 15 de agosto de 2017

Pena Branca

Estou só.
Olho para o relógio e sinto um arrepio.
Caminho na rua, entre rostos nublados, jornais amassados, cabelos arrumados...
E estou só.

Não me encaixo.
Embora lute para me encaixar.
Seria o viver, apenas toda essa encenação?
Deveria eu apenas continuar?

Sinto nojo da perfeição.
Meu refluxo, faz com que apenas siga o fluxo.
Lavo a rua, com um grande vomitar.
Água, cerveja, pinga, arroz, feijão e solidão.

A lua brilha solitária.
Intocável, distante, cruel.
Brilha para dar esperança ao doente,
Que falecerá ao primeiro amanhecer.

As nuvens cinzas e roxas,
Se sobrepõe a um céu marrom, quase preto.
O vento congela a orelha, e junto com ele,
O cheiro de fezes toma conta do tempo e do local.
E estou só.

Esbarro em um ombro.
Troco um olhar no olho.
Tropeço em uma calçada.
Volto para casa um pouco mais morto.

Tento me exlicar.
Mas são somente palavras em vão.
As paredes do meu quarto são surdas,
E meu berro é inaudível aos ouvidos dos que mais amo.
Inclusive eu mesmo.

Afogar tudo e todos!
Inclusive eu mesmo!
Afogar, em um grande mar de chorume, inundando as vias respiratórias com toda a podridão criada por nós.
Não haveria fim mais belo e justo.

A enorme linha tênue do tédio,
Se harmoniza com a linha fosca, quase apagada do horizonte.
O limite de tempo, em que a linha pode ficar tênue...
Já foi há muito ultrapassado.

Ainda estou só.
Quero dizer, eu e meus demônios.
Mas não conta.
Estou só.

E é nesse momento que sinto vontade de ir até a janela da minha alma,
E gritar.
Gritar ao ponto de sentir que meus pulmões vão explodir.
Gritar até sumir.

Sumir na minha própria voz.
Deixar de existir, em um ato de pura existência.
Expressão. Verdade. Verdade!
Sinceridade!

Eis que aparece uma esperança.
Uma linda, leve e reluzente pena branca, se destaca em meio a fumaça de cigarros e pensamentos.
Em meio ao caos, a destruição, as fezes, ao vômito, a indiferença...
Flutua a paz.

Faz seu belo percurso, em ondas,
Deixando uma linda imagem, de um pontinho de luz, vagando em meio à desordem.
As pessoas param, reparam, olham e se viram.
"Não é normal", eles dizem.

Mas não importa.
Eis que nasceu a luz!
Ela dança no ar. Ela é livre.
É intocável... mas não é cruel.

É atingível! É real!
É real... eu vi!
Eu senti!
Eu vivi.

E vi, o que talvez poucos viram.
Vi verdade.
Assisti, do melhor ângulo possível, no melhor assento do teatro,
Seu espetáculo sem máscaras.

Sua atuação, no existir.
Sua performance no lindo caminho ondular, que me tirou da linha tênue.
Seu improviso.
Sua verdade.

Eu a vi repousar entre montes.
Vi a poeira levantar em volta, quando ela parou, flutuando sobre um chão de terra.
Ali, vi o quanto é frágil, apesar de atingível.
Ali, vi o quanto é poderosa, apesar se ser real.

Toda a área começa a florescer.
Um verde harmonia, toma conta do chão, antes árido e arenoso.
As flores, vistas de longe, formam diversos pontos coloridos, que me lembram as luzes de natal e as festas de família da infância.
Paz.

Tenho uma vontade iminente de me mudar para lá.
De ser invadido por completo, por todas essas cores.
Mas lembro que tenho um longo caminho para trilhar.
Lembro que sou poeta, não pena.
Que pena.

Ainda tenho mais algumas penitências a cumprir.
Ainda tenho algumas palavras para mentir.
Eu ainda preciso morrer, só mais um pouquinho...
Para chegar ao destino, escrito por mim.

Então acordei.
Bem suado, confuso e agitado, para variar.
Mas agora tenho um norte.
Sei para onde caminhar.

Eu a encontrei ali, em meio a multidão.
Com toda a sua insanamente louca exatidão.
O sol raiou.
Não estou mais só.
E ela também não.

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